30 de novembro de 2010

O Castelo

Sentia-me triste e enfurecido, sentia-me magoado, decidi construir um castelo num local onde ninguem me pudesse atingir, ninguem me pudesse destabilizar.
Escolhi o local, tirei as medidas e lá comecei as obras. Rapidamente, visto estar perfeitamente ciente do que pretendia, fui fazendo os alicerces, as paredes o telhado... O trabalho acabado, sentei-me a admirar a minha obra prima, que fixe, estou protegido de tudo e de todos...Passados alguns dias sentia a falta de algo, não sabia bem o quê, mas faltava me algo... pensei, pensei , pensei e percebi.... não tinha nem janelas, nem portas.
Mas pensei; afinal se quero estar bem protegido isso seriam aberturas  através das quais posso ser invadido, posso ser apanhado de surpresa... lá cheguei a um acordo e decidi construir janelas bem no cimo das paredes por onde pudesse entrar a luz e o ar mas de impossivel acesso para intrusos... Recostei-me no sofá, todo feliz do trabalho e aproveitei o meu sossego, o meu conforto...
Passado alguns dias começou a chover, sentia a chuva a cair no telhado mas não a conseugia ver...deixei a minha imaginação trabalhar mas rapidamente deixei de conseguir imaginar e passei mais a divagar. Furioso, concentrei toda a minha energia em pensar na chuva que caía e como e onde e porquê, mas nada, não conseguia controlar a minha mente. Como se as lembranças dos caminhos da chuva se tivessem evaporado dela...lá pensei, pensei, pensei e resolvi instalar a Internet, assim não somente estaria perto das informações, como dos poucos amigos em quem confiava, mas que se calhar seria melhor estarem longe de mim, não fosse o diabo tecê-la e eles me magoarem. Mas acima de tudo teria acesso a todas a coisas naturais, como a chuva, o sol...
E lá fui pondo a conversa em dia com uns e com outros, fui pesquisando diferentes páginas na internet e vivendo por entre estas minhas paredes de segurança, longe dos que me podiam magoar e aproveitando ao máximo toda a informação que circulava na rede...E assim fui vivendo durante alguns tempos, perto de tudo e de todos, mas bem longe, para não haver interfências na minha vida sossegada... Mas um dia acordei com a sensação que a luz entrava pela janela bem la no cimo do meu quarto. Olhei vi de facto a claridade, mas não conseguia ver o sol, não conseguia sentir o calor, não conseguia sentir o seu efeito... fui à Internet e li tudo acerca disso e tentei imaginar...Nada, não resultava, de novo a minha mente divagava e não conseguia encontrar referências para fazer sentir ao meu corpo os meus desejos...Irritado decidi pôr esse assunto de lado.. paciência não consigo, não consigo.
 Fui para a internet e lá li que os meus amigos estavam a preparar um passeio, visto estar um dia de sol lindo, iam fazer um piquenique e pôr a conversa em dia, trocar abraços e beijos de amor e confraternização...Fiquei a pensar como tal coisa seria fixe, decidi meditar e imaginar como seria... nada, já não tinha registos na minha mente que me pudessem auxiliar a recordar, via as imagens mas não sentia os cheiros ou o calor dos abraços, não sentia o seu efeito no corpo... Deixara de sentir....
Irritado, decidi abrir uma porta, seria uma porta pequena que me permitissse sair quando quisesse mas que não seria facil de visualizar pelos outros e assim continuaria a proteger-me da entrada, da invasão por intrusos...
Comecei a partir devagarinho mas não consegui, as paredes eram sólidas e as pancadas não surtiam os efeitos desejados. Bati com mais força e lá comecei a sentir a resistência da parede a ceder, bati com mais força e a parede caiu por completo...fiquei irritadissimo, tinha estragado o meu castelo, a minha protecção. Mas o sol começou a aquecer mais e senti no corpo todo o seu beneficio, todo o seu amor por mim, vibrei, todos os meus sentidos estavam ao rubro, todo os meus sentidos estavam acarinhados.
Dentro do meu castelo apareceram insectos e outros animais, apareceu pó e desarrumação: apareceu vida.
E comecou a chuva e o vento, fiquei todo encharcado mas feliz, as lágrimas escorriam-me pela face misturando-se com a chuva... No meio de tantas desventuras senti de novo  vida dentro de mim com as qualidades e os defeitos..  
Foi aí que percebi, não interessa o quanto me isole para viver a minha vida, preciso de sentir a vida do mundo para que minha tenha pontos de referência. Não interessa o quanto me afasto por receio de ser magoado, preciso de aprender a viver as minhas mágoas para sentir o que é ser amado. Não interessa o quanto me afasto dos outros para não ouvir o que não quero, preciso de aprender a estar comigo no meio de todos para perceber como actuar para não ouvir o que não quero...
O que hoje são defeitos amanhã poderão ser qualidades, que hoje é tristeza amanhã poderá ser sinal de alegria.. Nada é o que é para sempre, porque o significado das coisas está no presente e não no futuro...